Como é ser jurada de kpop?
- Verônica Bentes
- 26 de ago. de 2020
- 5 min de leitura
Quando estamos em uma competição cover sempre tem aquele momento de apreensão onde os jurados sobem ao palco pra dizer os resultados e então dizem aquela famosa frase:
- A decisão foi muuuito difícil!!!! as notas ficaram MUITO próximas uma da outra, estou impressionadx com talento de todos vocês e blá blá blá...
Pois é, eu sempre achei que aquilo era ladainha e enrolação pra não deixar o pessoal se sentindo mal com os resultados que viriam depois, até porque - normalmente - depois que essa frase era dita, e os resultados revelados, quase sempre tinha algum desentendimento ou insatisfação. Então é de se esperar que um jurado queira "tirar o problema dos seus ombros" nesses casos, ou ao menos era assim que eu entendia... Até ser jurada.
A primeira vez que fui chamada pra fazer parte de um juri eu não tinha IDEIA da responsabilidade que estava me propondo a carregar! Eu só tive noção quando cheguei lá no evento e me levaram ao local onde ficavam os jurados, não que fosse algum pedestal nem nada, o evento era em um parque aberto com um espaço que tinha cobertura e o pessoal se reunia naquele espaço mesmo, o juri ficava sentado na ÚNICA cadeira existente no local e dividia espaço com as MUITAS mochilas dos participantes do evento que não queriam (ou não podiam) deixar os pertences no chão.
Daí, imagine então que cheguei e fui falar com as poucas pessoas que conhecia no local, algumas alunas minhas e as mulheres que organizaram o evento, estas me levaram para a tal cadeira e foram me apresentar ao público como a jurada do evento. E neste momento TODOS os olhares se voltam pra mim, dos mais variados tipos!
Tem o olhar de: "quem é essa?" que normalmente vem respondido do olhar de "não sei, nunca vi ela na vida";
Tem o "é sério que é ela?" normalmente com cargas variadas de deboche;
Tem o olhar de curiosidade normal;
Tem o que me julga da cabeça aos pés, como a mãe que julga o primeiro namorado da filha;
E tem os olhares das mães que estão no evento acompanhando as filhas, que é normalmente o olhar do "quem é essa?", seguido do "é tão jovem, como que ela é jurada?" e então o "não sei, nunca vi ela na vida".
Enfim... é nesse momento que eu noto que não vou ser mais tratada como uma pessoa normal, isso é fato. Eu deixo de ser a Verônica pirralha que participava de um monte de eventos e conversava com todo mundo, e passo a ser a Verônica jurada, professora de dança, a tia. kkkkkkkkkk.
Naquele evento eu percebi como é difícil ter a responsabilidade de avaliar somente o resultado de alguém! Como é ter o sonho, o gosto, o processo de ensaio e o esforço de alguém na ponta da caneta, porque qualquer coisa que eu dissesse ou avaliasse ali seria direcionado àquelx dançarinx e isso poderia ajudá-lx a melhorar ou tirar de vez a sua vontade de dançar, entende?
A apresentações começaram e a única coisa que me passava pela cabeça era que, como eu já estive no lugar de quem é avaliado, eu teria que tomar muito cuidado com "o que" e "como" estaria avaliando, justamente pra evitar os desentendimentos que aconteciam na minha "época". Na verdade eu já havia me preparado para isso antes.
Bolei uma estratégia de avaliação que considero mais justa com todos os participantes, e que uso até hoje. Em vez de estipular uma nota ao final de cada apresentação, eu estipulava a nota máxima para todos os dançarinos logo no início e, conforme a apresentação acontecia, ia retirando pontos caso notasse algum erro ou detalhe a ser descontado. Pra fazer isso eu assistia atentamente a cada dançarino e ia marcando no papel somente traços que representavam os pontos a serem retirados (às vezes adicionando algum comentário rápido).
Então, ao final de todas as apresentações eu vou para um lugar reservado e, aí sim, vou avaliar DE FATO as apresentações. É neste momento eu calculo as notas de cada um (diminuindo os pontos de acordo com os traços que fiz), comparo as apresentações e vou acrescentando ou retirando mais pontos de acordo com o que vi no geral. Por exemplo, de início tal grupo estava muito bom e chegou a cometer alguns erros que na hora relevei, mas depois outro grupo veio e sua apresentação estava impecável! Então aqueles pontos que tinha relevado na hora podem voltar a ser descontados. E vice versa, caso eu tenha descontado muitos pontos de alguma apresentação e depois notei que o nível não foi aumentando, estes pontos podem ser sim revistos!
Essa estratégia me ajuda de várias formas:
Eu consigo prestar melhor atenção aos detalhes da apresentação;
Não perco tempo escrevendo muito e posso assistir de fato o que acontece;
Posso avaliar melhor todos os competidores ao final de todas as apresentações.
Quem me viu como jurada em evento sabe que eu sofro ao final de cada apresentação porque não gosto nem de piscar pra não perder nenhum detalhe (meus olhos ficam ardendo muuuito), também não sou do tipo que fica olhando séria intimidando o competidor, isso era o que eu mais detestava quando ia apresentar e até já presenciei casos onde a pessoa ficou tão acuada com os olhares (da platéia e dos jurados) que saiu do palco no meio da apresentação. Poxa, já não basta o nervosismo de se expor aos olhares alheios, ainda ter que enfrentar o olhar de alguém que vai AVALIAR a apresentação do começo ao fim, é de lascar!
Bem, conforme fui participando de outros eventos fui lidando melhor com a pressão de avaliar o outro, sempre me declarando aberta a conversar e passando a pedir que os competidores viessem falar comigo ao final do evento pra que pudesse compartilhar minhas observações, justamente pra que não ficassem dúvidas.
Percebi que, não importa o que eu faça, dar uma nota pro trabalho de alguém é simplesmente difícil e acabou! Às vezes é alguém que você conhece e sabe que aquela pessoa pode fazer melhor, ou é alguém que você não conhece pessoalmente mas já viu em outras competições e já conhece +/- o "padrão" e estilo de movimentação mas tem que avaliar como se fosse a primeira vez, às vezes o competidor te conhece e fica chateado contigo por causa da nota que recebeu... é um trabalho de carrasco mesmo.
Mas o que me motiva é saber que já estive na pele de cada um que se apresenta ali diante de mim e que, como eles, tudo que mais quero é melhorar e (se possível) ser reconhecida pelo que faço. Então estou sempre aberta à conversa pra poder melhorar!
O problema é que, no fim das contas, depois de anos repudiando aquela frase lá do início, em um dos eventos que fui me vi subindo em um palco pra comunicar as notas e acabei repetindo a mesma coisa kkkkkkkk.
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